A Torre Branca do Sul
A despedida de Trisque
Haftor percebeu, no semblante dos presentes, que ali não era o seu lugar. “Essa cidade quer apodrecer sozinha”, disse, ao não ver atendido seu pedido a Crizagom. Para o anão, Trisque não merecia ser salva. Com isso em mente, levantou-se e deixou a sala do funeral.
— “Parta, paladino” — disse Táviga, enquanto ele saía. — “Minha natureza bondosa não me permite condená-lo por não compreender nossos costumes e a cultura do vilarejo.”
Indignado com o que presenciara, Haftor percorreu o caminho de volta à taverna. Ao cruzar com dois guardas que patrulhavam a praça central, tentou alertá-los sobre a influência de Táviga. No entanto, suas palavras repercutiram mais para si mesmo do que para os guardas, que mal compreenderam o significado de seu aviso.
Enquanto isso, Réctor, acompanhado de Garuk e Olgaria, pediu que Frida lhes mostrasse sua embarcação. Depois do aceite, o trio foi levado ao trapiche para embarcar num bote, mas, após discutirem sobre a capacidade das embarcações, decidiram subir os três — e Frida — na nuvem voadora criada pelo napol.
A tripulação do navio de Frida observava os aventureiros com curiosidade, especialmente o sekbete e o napol. Garuk, por sua vez, mostrava interesse em conhecer “o balestra” que, segundo ouviu, seria forte o bastante para perfurá-lo. Frida mostrou-lhe as duas armas acoplada à proa do navio, para sua leve decepção.
Rector também tinha dúvidas: — “Como esse navio se move no gelo?” — perguntou. A capitã explicou que os magos haviam auxiliado a travessia durante o congelamento das rotas. Como gesto de cortesia, o feiticeiro presenteou a tripulação com algumas de suas poções.
Encerrada a visita, os aventureiros retornaram à taverna e à Casa dos Sonhos para descansar.
Enquanto isso, o Guia observava de longe a visita de seus companheiros. Com seus olhos magicamente aguçados, via o convés do navio de Frida enquanto se ocultava no bosque próximo à praia. Porém, foi alertado por um bater de asas: Lúcius voava sobre ele, sem perceber sua presença.
O meio-corvo entrou no estábulo, seguido furtivamente pelo sekbete. O Guia usou seu Passo Umbral para atravessar as paredes de madeira e surpreender o napol.
Lúcius foi encontrado com um porta-pergaminho nas mãos, sozinho. Questionado sobre o que fazia ali, despistou: — “Só vim ver como estavam os animais. Já terminei.” — disse, antes de bater asas e partir.
O Guia investigou o local e encontrou sinais de escavação — provavelmente onde Lúcius tentava esconder o objeto. Intrigado com o conteúdo que Táviga tentava ocultar, decidiu segui-lo.
Pelo faro, rastreou o napol até a casa grande. Lúcius encontrou-se com Táviga na sala do funeral e conversou em tom sério. Depois, a meio-orca saiu com Dolmuk para um diálogo reservado. O Guia os surpreendeu, mas não conseguiu decifrar o teor da conversa.
A estadia dos aventureiros em Trisque chegava ao fim — e Táviga permanecia impenetrável.
A viagem para o leste
Demétrius despertou sob pressão.
Antes de deixarem Trisque, o Guia queria garantir que o Atravessador não conhecia o conteúdo do pergaminho entregue a Táviga. Segurou o humano pelo colarinho e o lançou ao chão: — “Você vai ser o primeiro que eu vou rasgar em pedacinhos, tá? O primeiro que vai morrer é você!”
Garuk interveio, ameaçando o prisioneiro: — “Se tentar fugir, eu te persigo até o inferno.”
Após as ameaças, o grupo reuniu-se com a caravana de Frida. Ela era composta por quatro guerreiros, quatro magos e uma carroça puxada por dois cavalos — destinada à carga e aos magos. Os seis aventureiros viajariam com Demétrius e seus próprios cavalos.
Enquanto partiam, os aldeões de Trisque cuspiam no chão ao vê-los passar. Os magos, confusos, precisaram ouvir de Haftor que a hostilidade se dirigia apenas ao Atravessador.
Na saída da cidade, Táviga acenou do estaleiro, ostentando um sorriso ambíguo — talvez falso, talvez de triunfo.
A viagem começou pela rota até o vilarejo da Encruzilhada. No caminho, Réctor apresentou sua Casa dos Sonhos aos magos, despertando grande admiração. Tessa, especialmente curiosa, só ficou satisfeita após compreender que a construção existia em Dartel.
Embora o destino dos magos fosse Telas, Réctor os convenceu a desviar para investigar a Torre Branca do Sul, alegando que lá poderiam encontrar mais prismas como os de Garuk.
A caravana entrou na estrada precária que cortava a Floresta Gélida de Gingord. O percurso até a torre levaria dois dias.
Na floresta congelada, encontraram marcas de uma criatura colossal — garras que haviam rasgado a pedra. Garuk e o Guia investigaram e concluíram tratar-se de um predador reptiliano caçando uma presa gigantesca.
— “Vejo o rastro de uma coisa muito grande... mas não é só o rastro. Tem marcas de arrasto. Parece que o bicho foi arrastado. O rastro vem da direção da torre.” — analisou o Guia.
Seguindo os rastros por duzentos metros, o grupo chegou a uma clareira. Árvores caídas e copas despedaçadas indicavam o ponto final da caçada — o local onde algo gigantesco alçara voo.
O cheiro de carniça dominava o ar. Sob as copas caídas, Olgaria encontrou o braço decepado de um gigante do gelo — do tamanho de um cavalo.
Réctor recolheu parte da carne em decomposição para compor suas rações, enquanto Garuk aproveitou os ossos para fabricar ferramentas.
Discutindo o que poderia ter causado aquilo, Haftor apostava num dragão; Réctor cogitava uma aedra.
Após a investigação, o Guia limpou a estrada, removendo troncos e abrindo caminho para as carroças.
A Torre Branca do Sul
O Guia acreditava que a floresta era apenas a área de caça do monstro, e que o covil estaria em outro lugar. Mesmo assim, avançaram com cautela.
A caravana alcançou a torre no meio do segundo dia. A estrutura em ruínas erguia-se sobre uma colina. Dorian, o mago, identificou o local como uma obra de geomanipulação antiga.
As portas estavam abertas, e um odor forte de ovo podre — talvez enxofre — tomava o ar. O Guia, com seu olfato aguçado, notou que o cheiro vinha dos andares superiores.
Enquanto o grupo se preparava para explorar, Frida decidiu que ela, seus homens e os magos aguardariam do lado de fora. Silvan pediu que o informassem caso encontrassem algo parecido com os prismas de Garuk ou as pedras de Réctor.
Demétrius insistiu em acompanhá-los. Sacando uma adaga de seu baú, declarou que não estaria indefeso.
Réctor sobrevoou a torre e observou janelas quebradas e corpos parcialmente carbonizados. Alguns exibiam apenas ossos voltados às janelas — como se algo tivesse arrancado-lhes a carne.
No terceiro andar, o Guia encontrou dois ovos de dragão partidos e, sob destroços, utensílios de cozinha. O sekbete logo relacionou os objetos ao gigante morto na floresta: ele provavelmente roubara os ovos e fora caçado pelo dragão.
Com a ajuda dos companheiros, o Guia chegou ao último andar. Haftor avaliou que a estrutura era instável demais para Garuk saltar, então os dois ajudaram a erguer o rastreador com as próprias mãos.
O topo da torre era uma abóbada parcialmente preservada. O vidro remanescente exibia marcações alinhadas ao horizonte — um geolábio ancestral que indicava o Domo de Arminus, em Telas, o vilarejo de Trisque e a Cidadela de Autriz, nas geleiras. As demais inscrições estavam destruídas.
Sob a vegetação da base da torre, Réctor avistou um grande alçapão. Ao abri-lo, revelou uma escadaria descendo para um calabouço escuro.
— “Sinto um cheiro muito forte... de bicho, de coisa estragada. Não parece vazio.” — disse o Guia.
Um instante depois, outro aroma lhe chegou — familiar e inconfundível: o cheiro de seu amigo Thal.
Trisque e Floresta Gélida de Gingord, Terras Selvagens — Dias 6 a 13 do mês do Sangue, ano de 1502.




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