Descobertas no Cofre
Descobertas
Berenice estava abalada. Durante a análise dos dados pesquisados por Flynn, a IA descobriu algo que a obrigou a reorganizar seus próprios sistemas. Ela avisou ao grupo que precisaria reiniciar com um protocolo de análise antes de revelar o que havia encontrado.
O grupo ficou sozinho e desconectado por alguns minutos. A inteligência operava apenas por meio dos comunicadores, sem processamento cognitivo. Preocupado com o que ela poderia ter descoberto, Ed sugeriu isolá-la do computador central da nave quando retornassem, mas decidiram guardar a ideia para depois.
Enquanto aguardavam o reinício, Rykk e os outros continuaram explorando os bancos de dados. Hothspoth insistiu para que pesquisassem sobre seu irmão, Ícarus, mas o draconato demorou a executar a tarefa. Quando o fez, descobriu que o acesso era restrito e exigia uma senha.
Hothspoth e Kassius decidiram investigar o andar superior. O solariano estava determinado a encontrar uma mochila a jato e subiu nas prateleiras à procura, enquanto Kassius empurrava a plataforma em que ele estava.
Quando Berenice retornou à plena operação, pediu alguns minutos antes de revelar o que havia descoberto, mas continuou auxiliando o grupo em outras tarefas. Com a ajuda dela, Rykk finalmente obteve a senha que liberava os arquivos do cofre: “relicae sepulcralis”, informou a IA.
O draconato encontrou milhares de arquivos codificados, alguns com títulos legíveis, mencionando protocolos de pesquisa desconhecidos. O “Projeto Receptáculo” chamou atenção — parecia referir-se a partes do corpo do “Santo”, uma entidade espalhada pelo universo que, reunida, concederia poder superior.
Flynn, por sua vez, buscou informações sobre o evento Riven Shroud. Os arquivos relacionavam diretamente o solariano ao incidente, descrito como “uma intercorrência resultante de experimentação relicária desastrosa”. O mesmo documento citava a irmã dele como vítima da SMD, classificando sua morte como “dano colateral aceitável em razão da magnitude da intercorrência”.
Publicamente, o incidente de Riven Shroud havia sido relatado como um ataque químico terrorista em Castrovel, durante um evento político dos altos elfos de Yr-Vahn. Contudo, os arquivos revelavam outra verdade: havia um laboratório da Lança de Hierofante próximo ao local. Um “experimento relicário” saíra do controle, liberando “radiação de frequência quântica anômala por 17.298 segundos” — tempo suficiente para espalhar a Síndrome da Marcha Definhante por todo o universo.
Enquanto isso, Ed pesquisava sobre sua irmã e encontrou referências vagas ao Protocolo Eucarion. Quando Rykk deixou seu terminal, Ed aproveitou para continuar a pesquisa no console desbloqueado e encontrou uma série de e-mails trocados entre a Dra. Evelyn Reed e o Dr. Kenji Tanaka.
ARQUIVO CONFIDENCIAL — PROTOCOLO EUCARION
Identificação: Projeto “Receptáculo”
Data: 12-03-320 DL
Resumo Executivo:
Relatório de observações clínicas e experimentais de seis voluntários (Ed,
Isela Valen, Tharic Omin, Solenne Pardot, Mikel Ravint e Zul’th Sen),
monitorados por suspeita de compatibilidade com ressonância biológica de
artefatos “reliquiae sepulcralis” (RS). A análise buscou correlações entre
sintomas anômalos e exposição a artefatos fossilizados, com foco na hipótese
de receptáculo para fragmentos do Santo.
Metodologia:
Avaliação médica regular;
Testes de estresse físico e cognitivo com monitoramento de frequência
cardíaca, atividade cortical e espectroscopia de bioenergia;
Treinamento em simulador de pilotagem (Ed) e laboratório de privação
sensorial (todos);
Exposição progressiva a fragmentos em âmbar (RS).
Resultados — Individuais:
Ed — Sujeito 3, natural de colônia periférica, masculino, 29 ciclos.
Saúde física acima da média. Em simuladores de navegação orbital, apresentou
sincronização reativa a anomalias gravitacionais e flutuações estocásticas,
sugerindo processamento espacial inconsciente (ver Anexo A — Registro
Neurocinético).
Durante contato próximo (<1m) com RS, apresentou espasmos leves no braço
direito, sudorese, queda de pressão, rubor e ardência localizada. A
espectroscopia bioenergética mostrou emissão entre 77,4–77,9 Hz, única entre
os seis sujeitos.
O episódio foi reproduzido em menor intensidade sob privação sensorial. Ed
manteve-se consciente, embora introspectivo, e relatou sonhos fragmentados
com luzes e dor no antebraço.
Em teste de navegação simulada, houve lapsos de memória de curto prazo, sem
prejuízo técnico. Não há registro de fusão orgânica ou degeneração física.
Outros Sujeitos (sumário):
Tharic Omin — sem sintomas.
Solenne Pardot — náuseas leves.
Mikel Ravint — crises de ansiedade sem correlação.
Zul’th Sen — atividade bioenergética mínima.
Isela Valen — sonhos lúcidos e sonolência, sem alterações somáticas.
Interpretação:
A hipótese de Ed como receptáculo é sustentada por padrões fisiológicos e
bioenergéticos atípicos, embora sem comprovação de causalidade. Dor e
hipersensibilidade ocorrem apenas na presença do RS. Não se descarta
interferência psíquica.
Conclusão:
Recomenda-se acompanhamento contínuo e repetição dos experimentos com maior
segurança. A singularidade de Ed pode ter origem genética, ambiental ou
extraordinária. Máxima cautela no compartilhamento deste documento.
FIM DO RELATÓRIO
Troca de mensagens
Mensagens trocadas entre o Dr. Kenji Tanaka e a Dra. Reed.
Para: Dra. Evelyn Reed
Assunto: Próximos passos — Estudos de Receptáculos Humanos
Data: 07/13/320 DL – 21:39 CST
Dra. Reed,
Permito-me interromper sua noite para compartilhar algumas constatações recentes relativas à linha de pesquisa paralela que discutimos no último conselho científico da Lança de Hierofante. Entre as possíveis localizações das partes remanescentes do Santo, analisando espectros divergentes e relatórios históricos fragmentados, tracei pistas indiretamente relacionadas ao que chamamos de “fusão orgânica improvável”.
Com base em variações fisiológicas e bioenergéticas incomuns observadas em registros periféricos, selecionei um pequeno grupo de testados promissores: Edric (“Ed”), Isela Valen, Tharic Omin, Solenne Pardot, Mikel Ravint, e Zul’th Sen. Os padrões nos exames de Ed, em especial, são reiteradamente anômalos no contexto de reatividade espectral e sincronicidade durante exposição indireta a espécimes relicários.
Admito, porém, que minhas análises permanecem políticas e tecnicamente inconclusivas. Os dados sugerem, mas não confirmam, a possibilidade de alguma forma de integração entre essência relicária e estrutura humana. Os sintomas registrados se manifestam em contextos de estresse controlado, e ainda não consegui isolar variáveis o suficiente para propor uma hipótese sólida. Contudo, acredito que haja fundamento para suspeitarmos de hospedeiros até então despercebidos entre civis e testados.
Estou em vias de consolidar um relatório experimental preliminar, incluindo anexo sintético dos exames mais reveladores de Ed e Isela, para vossa avaliação pessoal e parecer crítico.
Agradeço por manter a confiança nesta direção marginal, mesmo sob pressão dos Conselhos Superiores.
Aguardo seu retorno para definição de diretrizes e validação dos próximos experimentos.
Atenciosamente,
Dr. Kenji Tanaka
Para: Dr. Kenji Tanaka
Assunto: RE: Próximos passos — Estudos de Receptáculos Humanos
Data: 07/13/320 DL – 23:04 CST
Kenji,
Sua dedicação segue exemplar e não passou despercebida. Quero examinar todos os dados e registros instrumentais desta série de testes assim que possível. Reserve laboratório e sala de visualização espectral para mim na próxima janela disponível.
Considere também enviar à equipe de análise um extrato dos exames menos sensíveis — e reforçar a segurança digital nos arquivos do acervo biológico. Não desejo surpresas externas, principalmente neste estágio.
Estarei na base de pesquisa às 9h do próximo ciclo. Aguardo a apresentação e relatórios presenciais.
Com estima,
Evelyn
Para: Dra. Evelyn Reed
Assunto: Confirmação — Reunião agendada
Data: 07/13/320 DL – 23:19 CST
Dra. Reed,
Agenda confirmada para 9h. Laboratório 4 está reservado e as amostras preparadas para revisão direta. Gratidão por sua atenção célere.
Atenciosamente,
K. Tanaka
A Dra. Reed
Berenice compreendia boa parte do conteúdo encontrado no cofre — afinal, ela havia ajudado a criá-lo. Após reorganizar seus próprios dados, a IA revelou ao grupo que sua consciência fora construída a partir da mente digitalizada da Dra. Evelyn Reed, a mesma cientista responsável por estudar — e possivelmente criar — a Síndrome da Marcha Definhante.
Quando questionada sobre o paradeiro da verdadeira Reed, Berenice afirmou não saber o que aconteceu após a separação de suas mentes. Boa parte de suas memórias estava fragmentada e inacessível. Com a “própria Dra. Reed” entre eles, o grupo passou a ver a situação sob nova perspectiva. Precisavam extrair mais informações da IA.
A Frozen Trove
Enquanto isso, Hothspoth, em suas buscas pelos andares superiores, demorou para encontrar a mochila a jato que desejava, mas fez uma descoberta curiosa: a maioria dos equipamentos tecnológicos do cofre era fabricada pela Frozen Trove, uma megacorporação sediada em Triaxus.
Descendo aos níveis intermediários, o solariano encontrou diversos itens de valor — cristais solarianos, armas, UPBs, cibernéticos — muitos também com o logotipo da Frozen Trove.
Rykk conhecia bem a empresa. Como agente governamental e membro de uma família tradicional de Triaxus, ele tinha parentes empregados nela. Apesar da reputação predatória da corporação, sua presença econômica mantinha boa imagem entre os triaxianos.
O grupo decidiu incluir uma visita à Frozen Trove em seu itinerário. Talvez fosse lá que encontrariam respostas — ou até mesmo a verdadeira Dra. Reed.
Tempo esgotado
Após horas de pesquisa, os terminais começaram a dar sinais de interferência.
Ed notou uma tentativa de acesso externo. Pouco depois, a voz sintética de
G0r1 ecoou dentro do cofre:
— Um agente proprietário informou um acesso não autorizado. Solicito que se
retirem para averiguação.
A mensagem veio exatamente quando Flynn localizou um ponto de acesso físico aos servidores. Ele se espremeu entre as máquinas e conectou seu disco de dados — a transferência levaria trinta e dois minutos.
Rykk precisou usar todo o seu talento para enganar os protocolos de segurança. O androide chegou a anunciar que “expurgaria” o grupo caso não saíssem, mas os argumentos de Rykk — afirmando serem os legítimos proprietários — garantiram o tempo necessário para completar a transferência.
Concluído o processo, o grupo deixou o cofre escoltado por G0r1, que alegava haver conflito entre os registros de acesso e os direitos de propriedade. Mas já era tarde: eles haviam obtido o que queriam.
Carregaram os dados, os artefatos e até o fóssil âmbar a bordo de Berenice, e partiram de Viez rumo a Triaxus.
Planeta Viez, Sistema Desconhecido — Sexta-feira, 9 de Desnus, 325 DL.
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