Berenice
Quem disse, Berenice?
O grupo partiu do espaço normal rumo à deriva no instante em que o asteroide de Gre-ôn se despedaçava atrás deles. A energia da nave ainda estava sendo restaurada, e com ela o funcionamento normal da maioria dos sensores. Enquanto isso, todos permaneciam na ponte.
Assim que o computador central reiniciou, a inteligência artificial da nave falou em uma voz masculina:
— Olá, viajantes. Saímos ilesos. Manobras de evasão bem-sucedidas. Todos os sistemas... todos os sistemas... o que é isso?
Após a hesitação, a voz se distorceu e deu lugar a uma estática perturbadora. Poucos segundos depois, uma voz feminina assumiu:
— Sistemas principais restaurados. Propulsão da Deriva ativa. Todos os protocolos de segurança em... ordem. Olá. Sou... Berenice... Eu... eu creio que sim. Onde... onde estamos?
Os aventureiros estranharam a súbita mudança na personalidade da nave, mas a IA explicou que houve uma falha nos sistemas e seria preciso recalibrá-los. O processo levaria algumas horas, até que tudo voltasse ao normal.
Mais tranquilos, os aventureiros passaram a investigar os recursos da nave. Flynn percebeu que o manifesto de carga não indicava nada, mas pelas câmeras era possível ver caixas cobertas no compartimento. Hothspoth inspecionou o arsenal. Rykk estava prestes a deixar a ponte quando Berenice chamou sua atenção:
— Há mensagens gravadas por Gre-ôn para vocês. Vou reproduzi-las.
“Se por algum milagre estas palavras chegarem até vocês, saibam que foram gravadas em um tempo em que o perigo se aproximava, mas a esperança ainda ardia firme. Esta mensagem traz a chave para entender a rota que vocês devem seguir, um segredo escondido nas frequências do Eco Sepulcral, uma verdade que transcende o espaço e o tempo.”
— Há mais mensagens gravadas, mas estão inacessíveis. Talvez vocês consigam desbloqueá-las — disse Berenice através dos alto-falantes.
Ed acessou os terminais de comando e conseguiu desbloquear informações trancadas em uma caixa-preta. Logo, as linhas de dados do terminal holográfico da ponte deram lugar à imagem de Gre-ôn narrando uma história, um alerta para aqueles que assumissem sua nave:
“77.17.7: é uma frequência de ressonância. Setenta e sete é a frequência que eu sinto em meus ossos. Ponto dezessete ponto sete é o que a Berenice pode sintonizar, a ressonância do portal. É um número que só os solarianos podem entender... ou aqueles que foram tocados pela doença. Se a nave não puder sintonizar essa frequência... a porta não se abrirá."
“0.1: E zero ponto um é o único ponto no tempo em que a porta pode ser aberta. Um lampejo, um instante... o momento exato em que o Eco primordial pulsa. É a sua única chance de encontrar a verdade. Vocês têm a chave. Encontrem a fechadura.”
Os aventureiros se entreolharam, confusos. Berenice explicou que ainda havia mais mensagens, mas presas em seus dados fragmentados. Algumas poderiam ser desbloqueadas fisicamente na sala de conferências, onde ficavam os servidores.
Inventário esquecido
Em vez de seguir direto para a sala de conferências, o grupo se dividiu. Hothspoth foi ao arsenal, enquanto Kassius e Rykk permaneceram na ponte.
No arsenal, Hothspoth encontrou uma grande coleção de armas e armaduras, mas manteve a desconfiança em relação à IA. Flynn e Ed, na sala de conferências, nada acharam além de alguns comunicadores. Berenice então admitiu o engano: os servidores ficavam na sala de energia.
Antes de partir para lá, Flynn decidiu investigar o armazém, intrigado com as caixas não declaradas. O compartimento estava às escuras. Sob panos removidos, surgiram recipientes tecnológicos. O maior não pôde ser aberto, mas os dois menores revelaram livros físicos. Um deles, porém, era falso: trazia em seu interior uma cápsula de dados.
Para abrir as caixas trancadas, Hothspoth foi até a oficina tecnológica fabricar gazuas. Flynn seguiu para a central de energia. Rykk, que deixara a ponte, uniu-se a Ed para investigar os aposentos de hóspedes.
Flynn encontrou um disco preso aos servidores. Cauteloso, chamou os outros, mas Hothspoth não hesitou: removeu o dispositivo após ouvir de Berenice que isso resolveria o problema. Imediatamente, a nave começou a acessar o restante da mensagem de Gre-ôn:
“A Berenice não é apenas uma nave. Ela é a chave. A Dra. Reed me deu essa nave e a chave para a porta que ela encontrou... uma porta para a verdade."
"É esta a rota que a nave Berenice contém; este é o caminho para a verdade que devemos proteger. Que suas jornadas sejam firmes e que a luz do Eco os guie.”
O silêncio se seguiu. Os aventureiros não compreendiam totalmente o significado, mas Berenice informou que poderia extrair mais dados das coordenadas. O processo, porém, levaria horas.
Enquanto aguardavam, o grupo explorou outros setores. Nos aposentos de passageiros, descobriram rastros estranhos: um pequeno sapato abandonado, uma passagem estreita debaixo de terminais desconectados. Apesar de antigos, os sinais sugeriam que alguém menor que Gre-ôn havia estado ali.

Quando Hothspoth finalmente abriu a caixa com suas gazuas, encontrou alguns objetos peculiares:
- Eco-ressonador: um dispositivo que lembra um cruzamento entre radiotelescópio e astrolábio antigo, feito de uma liga metálica desconhecida. Ao ser ativado, emite um zumbido baixo enquanto um cristal de asteroide em seu centro pulsa suavemente.
- Compêndio de Frequências: um datapad robusto, de tela trincada, mas funcional. Contém um extenso banco de dados de frequências cósmicas, nebulosas, pulsares e, sobretudo, registros de ressonâncias psíquicas.
Ao ser questionada sobre a esfera de Gre-ôn que Rykk encontrara na residência do eremita, Berenice mencionou que se tratava de outro ressonador. No entanto, aquele era capaz de sintonizar com outros solarianos.
Sombras na Deriva
Pouco depois, Berenice emitiu uma mensagem emergencial. Ela parecia ter dificuldades em extrair os dados. A iluminação da nave, quase estabilizada, voltou a oscilar violentamente:
— Dano irreparável sofrido. Mitigando.
A sobrecarga afetou todos os sistemas. Berenice avisou que não conseguiria manter a nave operando por completo, pois precisava redirecionar energia.
— Seremos atacados.
No instante seguinte, Assombrações da Deriva começaram a surgir nos motores. O grupo correu para combatê-las.
O confronto não foi longo, mas os danos causados exigiam reparos imediatos. Diante dos novos alertas, os aventureiros se dividiram: Rykk permaneceu na sala dos motores; Ed correu até a ponte ao saber que Berenice não sustentaria mais o piloto automático; Hothspoth, Kassius e Flynn seguiram para o motor da Deriva. No caminho, Flynn percebeu um rompimento no casco e voltou à oficina tecnológica para improvisar um tampão.
A coordenação deu certo:
- Ed estabilizou a nave na turbulência da Deriva.
- Rykk efetuou reparos no motor principal.
- Hothspoth e Kassius eliminaram facilmente duas assombrações no motor da Deriva.
- Flynn construiu, com grande êxito, uma peça que se encaixou perfeitamente no rasgo do casco, com Kassius auxiliando na instalação.
O grupo obteve pleno sucesso em suas ações e conseguiu resgatar Berenice.
Com os sistemas retornando, a nave reassumiu o controle. A voz de Berenice, ainda distorcida, soou pelos alto-falantes: avisou que estava restaurada, mas pediu que todos se segurassem. O motor de Deriva foi acionado e, em instantes, a Berenice saltou de volta ao espaço normal — diante de um planeta azul e rochoso, destino até então desconhecido.
Deriva, quarta-feira, 7 e 8 de Desnus, 325 DL.



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