O grupo aceitou o plano proposto por Grutingrafgnaw: investigar uma subestação de energia em Krevlan, um distrito de Orelan que emanava anomalias magnetosféricas.
A draconiana descreveu as anomalias como ondas de energia vindas do subsolo, relacionando-as aos picos de violência que vinham ocorrendo ao redor da cidade. Ela repudiava a versão de que a mudança de comportamento era puramente social — acreditava que as anomalias estavam afetando diretamente os habitantes locais.
A estação de Krevlan constava como desativada nos registros oficiais. Segundo Grutin, seria um local adequado e seguro para iniciar a investigação. No entanto, sua localização ficava em uma região carente da cidade, habitada principalmente por riforianos marginalizados — o que não deixava de representar um risco.
Finalmente, o grupo pôde descansar. Hothspoth era o mais exaurido: a radiação sepulcral o atingira com mais intensidade, e ele ansiava por recuperar as forças.
O solariano, porém, amanheceu desconfiado. Lembrando-se da proximidade entre Rykk e Grutenkrag no dia anterior, vasculhou o casaco do emissário em busca de escutas — e encontrou uma!
O pequeno dispositivo, do tamanho de uma unha, estava preso ao casaco que Rykk usara na visita ao MiNI. Hothspoth o alertou, e o draconiano pediu que o robô serviçal colocasse a veste para lavar em uma máquina barulhenta, para eliminar o sinal.
A seguir, os aventureiros reuniram-se com Grutin e contaram sobre a escuta. A draconiana ficou decepcionada — parecia ainda nutrir alguma esperança de que o chefe de seu filho não estivesse envolvido com a Lança de Hierofante.
A confirmação da traição de Grutenkrag fez com que Grutin demonstrasse preocupação com seu marido, o engenheiro aeroespacial Karrogriekgnaw:
“Seu pai está confinado nos laboratórios da Frozen Trove há seis dias. Não é seguro contatá-lo; todos os canais de comunicação são monitorados.”
Rykk se mostrou preocupado, mas logo o grupo precisou se concentrar na missão de Krevlan.
Grutin forneceu um cartão de acesso de nível 2 para o filho. O emissário não reconheceu o nome — Sirina — nem a foto da draconiana no cartão, mas estimou que seria suficiente para entrar na instalação.
Com tudo pronto, o grupo descansou. Rykk apresentou aos companheiros sua sala de jogos, e a tarde transcorreu em paz. A missão começaria às 23 horas.
O despiste
Utilizando o veículo voador de Rykkgnaw, os aventureiros seguiram pela via flutuante de Orelan até Krevlan, um subúrbio industrial abandonado.
A arquitetura local deixava claro que o bairro fora planejado para riforianos — seres de estatura humana, menores que os draconianos. Embora isso os deixasse mais à vontade, o abandono do lugar logo dissipava qualquer sensação de conforto.
A três quarteirões do destino, Rykk precisou se livrar da escuta. Para despistar o ouvinte, ofereceu seu casaco grampeado a um mendigo perneta. O riforiano recusou, insultando-o de “draconiano usurpador”. Mesmo assim, acabou ficando com a veste ao vê-la abandonada em um banco.
A subestação estava próxima. Tubos pressurizados com gases aquecidos denunciavam o preparo para o inverno — apesar de Triaxus viver um verão anormalmente longo.
Como Grutin alertara, uma gangue abordou o grupo.
O confronto com os riforianos
— “Ei, draconiano! Pára aí!” — gritou um riforiano alto e curvado.
— “Por quê?”, respondeu Rykk.
— “Porque eu não gostei da tua cara.”
A hostilidade era evidente, e qualquer tentativa de negociação foi inútil.
Enquanto conversavam, Hothspoth e Flynn perceberam manchas escuras na pele do inimigo — sinais da Síndrome da Marcha Definhante.
— “Você está doente! Podemos ajudar!”, insistiu Flynn.
— “Eu não preciso da tua ajuda”, retrucou o riforiano, armando a arma. “Eu quero que você e sua laia sumam daqui!”
O conflito foi inevitável.
O tiroteio começou com Rykk errando um disparo e quase acertando Flynn. Hothspoth reagiu rápido, atingindo o líder com um dardo tranquilizante. O efeito demorou, mas seria inevitável.
Ed armou seu rifle e buscou cobertura, enquanto Rykk alçou voo para obter vantagem de altura. Flynn e Kassius mantiveram-se na linha de frente. O combate foi intenso: uma bomba de gás ácido foi lançada, e os inimigos usavam canos e sucata como armas improvisadas.
Hothspoth liberou sua Supernova; Flynn respondeu com seu punho solar. Ambos tentavam sobreviver enquanto desviavam de tiros dos próprios aliados.
A gangue foi rapidamente dominada. Kassius matou um deles, e o efeito do veneno de Hothspoth incapacitou o líder. Os dois últimos riforianos tentaram fugir.
— “O Chakar tá morto, cara, vam'bora daqui!” — gritou um deles.
Ed, impassível, disparou contra o fugitivo, acertando-lhe a coxa. O inimigo mancou e prosseguiu, vivo, mas fora de combate.
A batalha terminou. O grupo havia vencido — e capturado um refém.
Triaxus, Cidade de Orelan — Quinta-feira, 22 de Desnus de 325 DL.
Antes de partir para investigar por conta própria, o Guia alertou o grupo
sobre a aproximação de uma frota de navios e os gritos vindos da praça
mencionando o “Ancião”. Um navio grande e três pesqueiros haviam atracado. Os
pesqueiros traziam o corpo do Ancião, que havia morrido no mar.
O Guia desceu até a praia, movendo-se de forma encoberta. Usou a magia
Olhos das Sombras para projetar sua consciência e se deslocar pela
sombra do grande navio, em busca de informações.
Enquanto se movia pelas sombras, já na embarcação maior, percebeu uma grande
variedade de cheiros — a maioria humana, mas também de elfos ou meio-elfos e
até o cheiro de esterco animal.
Ele se dirigiu até a cabine do comandante, que estava vazia. O interior era
ostentoso: o piso de madeira polida refletia a luz, e havia estantes com
livros. Sobre a mesa principal, repousava um grande tomo (de aproximadamente
50x50 cm, abrindo para quase 1 metro).
O Guia percebeu que o símbolo heráldico gravado no tomo era o mesmo que estava
na vela do navio. Não conseguiu identificar sua origem, sabendo apenas que não
pertencia a Caridrândia, Blur ou Uno.
Enquanto isso, Rector voou em direção à área de Táviga para observar melhor a
movimentação. Foi então que encontrou a comandante Frida — responsável pelo
navio maior — e um grupo de magos. Eles se apresentaram como Silvan (líder),
Tessa (anotadora e observadora), Dorian e Lila (aprendizes elementalistas).
Rector os convidou para a taverna, propondo uma conversa com mais calma.
Enquanto isso, Haftor juntava-se à procissão que levava o corpo do Ancião,
sentindo-se obrigado a participar por seu senso de dever. O comandante da
milícia, Taros, se aproximou dele e explicou que o Ancião morrera “fazendo o
que gostava”.
Taros mencionou ainda que agora seria necessário esperar que Dolmuk, o
sucessor imediato, abdicasse conforme havia prometido. Haftor concordou,
comprometendo-se a se concentrar apenas na cerimônia.
Os Magos
Enquanto a vila se preparava para o funeral, Garuk e Haldor permaneceram na
Casa dos Sonhos com Demétrius, o atravessador, que finalizava o mapa que havia
sido ordenado desenhar durante a noite.
Garuk manteve a pressão sobre o homem, lembrando-o em tom ameaçador: “— Só te
lembrando, não sou o seu amigo… você tem a oportunidade de fazer com que eu
não seja o seu inimigo, só depende de você”.
Após a conclusão do mapa, Garuk o levou até o Guia, que avaliou o trabalho
como “muito bem feito”.
Enquanto isso, na taverna de Trisque, o encontro com os Magos do Conhecimento
se desenrolava. Eles explicaram que haviam vindo de Runa, cidade do reino de
Pórtis, com o objetivo de investigar uma energia diferente captada no Domo
pelo Colégio do Conhecimento em Telas.
Dorian, Tessa, Silvan e Lila
Logo se percebeu que a busca deles e a do grupo pareciam convergir, pois
aquela energia poderia estar ligada à lenda da Aurora Gelada.
Os magos mostraram grande interesse pelo Prisma que o grupo carregava: “— É
exatamente por coisas como essas que estamos procurando!”, disse Silvan.
Rector permitiu que a elfa (Lila) examinasse a esfera, mas quando Silvan
tentou tocar o Prisma de Garuk, este o puxou rapidamente, alertando: “— É
perigoso encostar os dois”. Silvan retrucou, dizendo que não tentaria algo
“tão estúpido”.
O grupo passou rapidamente a discutir problemas internos. O Guia estava
preocupado com o tempo que Haftor e Réctor pretendiam ficar em Trisque. No
entanto, o tom elevado da conversa revelou o contraste entre o grupo e os
magos. Falando em élfico, Silvan e seus aprendizes questionaram se o grupo
estava “brigando entre si” ou se aquele era o “modo selvagem deles de agir”.
O Guia, que entendeu a provocação, respondeu em élfico, batendo na mesa: “—
Você sabe que o nome disso aqui é Terras Selvagens, né?”.
Surpresos ao descobrir que Rector e o Guia falavam élfico, os magos insinuaram
se eles tinham aprendido o idioma com os “infames elfos sombrios”. O sekbete
respondeu friamente: “— É difícil aprender enquanto tá tomando chicotadas”,
revelando em tom amargo um fragmento de seu passado em Caridrândia.
O diálogo continuou com Rector mostrando algumas de suas poções. Os magos
demonstraram curiosidade, especialmente Tessa, que anotava detalhes. O
feiticeiro explicou que sua magia vinha da natureza, ao que Silvan respondeu
com arrogância: “— A diferença entre nós é que eu posso compartilhar meu
conhecimento”.
A tensão se manteve no ar até que os magos encerraram a conversa de modo
protocolar, demonstrando polidez. O acordo, que havia sido desenhado ainda no
porto, foi fechado na mesa da taverna: o grupo escoltaria os magos e sua
comitiva até Telas. Embora eles confiassem em Frida e nos guerreiros que a
acompanhavam, também diziam que precisariam de guias para levá-los pelos
caminhos mais seguros até a cidade junto ao Domo.
Os aventureiros não negociaram um pagamento. No entanto, Rector perguntou se
ele poderia ter acesso ao colégio do conhecimento quando chegasse lá. Silvan
não foi conclusivo, alegando que seria necessária uma autorização expressa do
reitor, mas disse ser possível.
O Funeral
Garuk, o Guia e Olgaria retornaram para a casa dos sonhos de Rector
antecipadamente. O rastreador acordou o Atravessador para perguntar-lhe se
mais alguém além de Guzur estava atrás dele, e também para saber se era
possível que o orco estivesse espreitando nas proximidades.
Demétrius foi enfático em dizer que não tinha mais inimigos, e que a última
notícia que havia escutado sobre Guzur, há três meses, afirmava que ele estava
muito distante para oeste.
Da praia, o corpo do ancião foi conduzido até a casa grande, onde os aldeões
se reuniram para falar sobre a vida dele e sobre a vida do próximo líder do
vilarejo. Haftor acompanhava tudo de perto, em silêncio.
Algumas horas depois do início, a mestre da cerimônia convocou Dolmuk, o
sucessor natural do antigo ancião. Com voz trêmula e desviando o olhar de
Haftor, o velho humano iniciou seu discurso sem dar sinais de que desistiria
da função.
Haftor teve paciência, embora lançasse olhares ameaçadores de desaprovação
para Dolmuk. O sucessor sentia-se pressionado, mesmo sem o martelo do paladino
se erguer contra ele.
“— Eu não sou digno da posição que vocês esperam que eu assuma... eu abdico do
meu dever para Trisque.” — anunciou Dolmuk, depois de muito tempo bajulando a
antiga memória do ancião.
Haftor o encontrou na sala ao lado da cerimônia. Dolmuk sentia-se um covarde,
mas o paladino tentou animá-lo, dizendo que ele fizera a coisa certa. Ambos
retornaram para a sala e assistiram à mestre de cerimônias, surpresa, retomar
o controle e anunciar que a próxima da fila seria Lismira.
A nova sucessora já estava preparada para seu discurso, pois Haftor a havia
alertado na noite anterior. Assim, ela começou a discursar e falar sobre sua
história.
Táviga e seu bando chegaram durante o discurso de Lismira. Enquanto a
meio-orca sentou-se na frente, Krell e Zira foram para trás, enquanto o
restante ficou na sala da escada.
A sucessora do ancião tinha uma boa retórica, mas ela foi suplantada pela
habilidade de Táviga. A meio-orca encontrou uma brecha no discurso para se
intrometer. Suas palavras eram cativantes, narrando feitos marcantes do ancião
e relacionando a história dele com a dela.
Haftor prestava atenção com afinco. Porém, demorou a notar que o discurso da
meio-orca havia mudado de veneração ao falecido para auto-promoção. Quando
abriu os olhos para isso, interveio:
“— Calada!” — bradou Haftor, invocando um milagre de Crizagom. No entanto, o
deus da justiça não interveio por ele. Táviga sorriu e aproveitou-se da
oportunidade para desmoralizar o anão: “— Pelo jeito o paladino ainda não
entendeu os costumes e a cultura de nosso vilarejo. Eu estou aqui honrando o
ancião e o senhor interrompe manchando a sua reputação.”
Haftor viu os olhares dos aldeões virarem-se para ele em desaprovação. A
meio-orca justificava em cada passo a razão da influência que possuía em
Trisque, e não seria fácil para Haftor desfazê-la.
Trisque, Terras Selvagens, dia 6 do mês do Sangue do ano de 1502
Após deixarem a estação espacial de Pleo-3, os aventureiros traçaram rota para
o planeta Triaxus. Rykk estabeleceu o porto de
Orelan como destino, por ser sua cidade natal e uma base
importante da Frozen Trove.
A chegada à órbita de Triaxus foi tensa. Uma frota de aeronaves se aproximou
de Berenice e ordenou que a tripulação se apresentasse:
— Status de voo: análise de assinatura completada. Seus registros
estão sendo verificados contra a base de dados de segurança corporativa e
governamental. Mantenham-se em sua trajetória atual. Qualquer desvio do
vetor de aproximação será interpretado como hostilidade imediata.
Após Rykkgnaw fazer uma apresentação formal de seu título e tentar disfarçar
seu verdadeiro objetivo, o comandante da frota autorizou a aproximação e a
aterrissagem:
— Emissário draconiano Rykkgnaw reconhecido. Credenciais confirmadas.
Emissário, você está sob um Protocolo de Boas-Vindas de Classe Delta.
Solicitamos que ative o canal criptografado pessoal da Berenice e
transfira o comando de aproximação ao nosso controle remoto de navegação.
Rykk não entendeu a razão da Classe Delta, pois sabia que se tratava de um
protocolo de segurança fora do comum. Ainda assim, seguiu as instruções. O
comandante da frota ordenou que a tripulação desativasse todos os sistemas de
armas e escudos para a atracagem.
O hangar
O grupo foi designado a um grande hangar no porto de Orelan, localizado a
algumas dezenas de quilômetros da sede governamental onde Rykk trabalhava
— local que ele pretendia visitar imediatamente.
Berenice desativou seus sistemas e transferiu a interface para os
comunicadores da tripulação. No solo, eles perceberam que o porto era operado
por uma grande diversidade de raças, embora os draconianos predominassem.
Uma comitiva de boas-vindas veio até a nave assim que a escotilha se abriu.
Ela era composta por riforianos, drones e um draconiano engenheiro-chefe:
Yurok, um meio-dragão de pescoço longo e grandes asas.
Antes da aterrissagem, Rykk havia contatado seu chefe,
Grutenkrag, para pedir autorização de desembarque. O ministro
ficou surpreso com o pedido, mas prometeu fazer o possível. Assim, quando
Yurok iniciou as varreduras em Berenice, Rykk teve autoridade para
ordená-lo a parar. A mensagem de autorização ainda não havia chegado, e o
clima entre o emissário e o engenheiro ficou tenso. Por fim, a ligação do
comando do hangar chegou, e Yurok deixou a nave frustrado.
Apesar de terem afastado a vigilância direta, o grupo percebeu que não
conseguiria manter discrição por muito tempo. Câmeras cobriam todos os
ângulos, e os operários tentavam rastrear qualquer sinal vindo da nave.
Hothspoth notou que os drones — quase todos fabricados pela
Frozen Trove — emitiam um sinal em frequência específica, capaz
de detectar o fóssil âmbar caso estivessem próximos. Por sorte, as travas de
Berenice eram seguras o suficiente para impedir invasões, ainda mais
por se tratar da nave de um funcionário público draconiano.
O chefe
O grupo seguiu em transporte terrestre até a sede do
Ministério das Negociações Interplanetárias (MiNI), local de
trabalho de Rykk. Exceto pelo draconiano, os aventureiros sentiram-se
minúsculos naquele ambiente. Embora Triaxus abrigasse diversas raças
humanoides, Orelan se erguia em território dracônico — nada ali era
feito para seres menores. Degraus de meio metro, maçanetas a quase dois metros
do chão e cadeiras de encosto alto davam uma constante sensação de
deslocamento.
O prédio do MiNI era colossal. Apesar de ter apenas 19 andares, ultrapassava
facilmente os 100 metros de altura — grande até mesmo para os padrões
draconianos.
Rykk tentou passar direto pela recepção, mas a secretária exigiu que todos,
exceto o próprio emissário, realizassem um cadastro básico. Assim, cada
aventureiro precisou registrar nome e local de origem antes de seguir adiante.
No elevador, o grupo encontrou Grishar, um cientista
draconiano conhecido de Rykk. Ele fez perguntas desconfortáveis sobre as
viagens do emissário antes de desembarcar em um andar inferior.
No 17º andar, Rykk deixou o grupo em sua sala e seguiu sozinho até o fim do
corredor, onde ficava o escritório de Grutenkrag. O caminho
era guiado por um tapete azul que levava a uma imensa porta manual.
— Entre — disse o ministro, que já o aguardava.
Rykk relatou tudo o que havia descoberto fora de Triaxus, mas a reação de seu
chefe não foi a esperada. Grutenkrag demonstrou preocupação com o fóssil
âmbar, parecendo desconfortável com o fato de o objeto ter sido trazido ao
planeta. Segundo ele, o protocolo de Classe Delta se devia à presença do sinal
anômalo detectado em Berenice.
O chefe sugeriu que o fóssil fosse levado ao subsolo do MiNI para estudo. A
justificativa parecia lógica — mas o tom de Grutenkrag despertou
suspeita em Rykk. O emissário fingiu concordar, prometendo retornar com o
fóssil, mas sabia que algo estava errado.
O grupo deixou o Ministério imediatamente. Rykk chamou os companheiros até sua
sala e partiu em um veículo terrestre rumo à casa de sua mãe.
A cientista
O lar de Rykk em Triaxus era uma mansão antiga, propriedade de uma família com
laços fortes tanto com o governo quanto com a Frozen Trove.
Recebidos por um robô doméstico, os aventureiros foram conduzidos ao
escritório da mãe de Rykk, Grutingrafgnaw, uma cientista
especializada em magnetosferas.
A draconiana os ouviu atentamente e, por mais improvável que fosse a história,
pareceu acreditar. Mais do que isso, ela também possuía informações
relevantes.
Grutin confirmou rumores que o grupo já ouvira durante a viagem: Triaxus
estava regredindo. Porém, sua explicação ia além das causas
sociais. Ela descreveu anomalias magnetosféricas ocorrendo
nos arredores de Orelan:
— Ondas de energia errática estão vindo do subsolo e causando uma
“febre” social: picos de agressividade, falhas em datapads e, sim, o aumento
da violência. Não é só abandono, Rykk — é algo ativo.
Embora preocupada com a segurança do filho, Grutingrafgnaw pediu ao grupo que
investigasse discretamente uma das zonas afetadas — uma
Subestação de Energia Desativada em Krevlan, um subúrbio
industrial de Orelan. Segundo ela, o local não deveria apresentar grandes
riscos, mas exigiria cautela.
O grupo aceitou a missão e começou a preparar os próximos passos.
Triaxus, Cidade de Orelan — Quarta-feira, 21 de Desnus de 325 DL.
Réctor e Táviga selaram seu acordo com um aperto de mãos. Haftor estava ao
lado do napol, validando a estratégia da meio-orca para livrar-se de seu
antigo aliado.
Os aventureiros foram até o estábulo onde Demétrius estava mantido, e a
meio-orca autorizou Krel e Zira a libertá-lo. A custódia passaria para o
paladino, e a líder do Estaleiro Caedor precisava anunciar isso ao povo de
Trisque.
O grupo retornou à praça escoltando o prisioneiro. Assim que chegaram, Táviga
anunciou, com sua voz aguda e poderosa, que Demétrius estava sendo entregue a
Haftor, o paladino de Crizagom, que o levaria à justiça em Blur, o reino dos
anões.
A população de Trisque formou uma fila para insultar o traidor Demétrius,
enquanto Haftor permanecia atrás dele, assistindo em silêncio.
Depois da cena na praça, o grupo resolveu conduzir Demétrius até a Casa dos
Sonhos de Réctor, onde teria tempo e privacidade para discutir assuntos
delicados.
As informações de Demétrius
A impaciência do Guia durante a condução do prisioneiro perturbava Réctor, que
sabia que Lúcius — o napol aliado de Táviga — estaria alerta, observando tudo.
Ainda assim, o Guia iniciou seu interrogatório pelo caminho, questionando se
Demétrius conhecia Thal.
Embora o Atravessador negasse a maioria das informações, nem tudo foi em vão.
Ao ver o pedaço de armadura que o Guia carregava, já às portas da Casa dos
Sonhos, Demétrius lembrou-se de que Thal estivera lá cerca de um ano antes.
Durante a visita, o sekbete mencionara Goragar, o sekbete de escamas
vermelhas.
Demétrius revelou ao Guia que Thal buscava alguém que sabia sobre a
“Voz no Gelo”, o lugar para onde, supostamente, os orcos
rumavam. Além disso, o capitão-do-mato de Caridrândia queria encontrar um anão
chamado Horgrundis, um minerador.
Sobre a Voz no Gelo, o sekbete ouviu falar de um profeta do norte, mas foi
orientado a procurar mais pistas na Torre Branca do Sul, um
lugar de mortos.
Sobre o anão, Demétrius contou que Horgrundis fizera fortuna explorando rochas
da erupção do Krokanon, e que sua última localização
conhecida era Vir-Máliz, uma fortaleza nas montanhas. Ele
destacou que o anão não tinha boa reputação entre seus pares em Blur.
O interrogatório de Demétrius pelo resto do grupo continuou dentro da Casa dos
Sonhos, onde o Guia se recusou a entrar.
Réctor tentou uma abordagem mais amistosa. O humano disse que muitas de suas
informações estavam registradas em seu diário, escondido no estaleiro. Se o
grupo o trouxesse, ele poderia revelar muito mais.
Como o Estaleiro Caedor era domínio de Táviga, o grupo preferiu manter
discrição. Assim, dividiram-se em três frentes:
O Guia e Olgaria procurariam pelos registros de Demétrius
no estaleiro;
Haftor e Haldur visitariam a residência de Lismira para
alertá-la sobre a sucessão do ancião;
Réctor e Garuk permaneceriam na Casa dos Sonhos, vigiando o
Atravessador.
A busca no estaleiro
A noite fria e escura de Trisque ocultou a saída do Guia e de Olgaria da
estalagem de Ozael. Analisando os arredores da Casa dos Sonhos, o Guia
percebeu sinais de que Lúcius estivera ali. Ele alertou seus companheiros
antes de prosseguir.
A praça central do vilarejo era iluminada por lanternas de óleo e patrulhada
por uma dupla de guardas. Os aventureiros evitaram ser vistos com facilidade e
seguiram até o Estaleiro Caedor.
O pequeno porto de Trisque era composto pelo estaleiro, um trapiche e uma área
de armazéns. A iluminação era precária, especialmente porque nevava fraco.
No corredor dos armazéns, atrás das docas, a dupla percebeu que um meio-orco
permanecia vigilante. O objetivo deles estava no fim da rua, próximo ao limite
do vilarejo.
O vigia — um brutamontes de aparência mais orca do que humana — os viu e se
aproximou.
— O que estão procurando? Estrangeiros não são bem-vindos aqui a esta hora! —
alertou.
Olgaria se adiantou e respondeu: — Viemos buscar algumas roupas do
Atravessador, que partirá conosco amanhã.
O meio-orco manteve a desconfiança, dizendo que Táviga precisaria autorizar.
Para disfarçar, Olgaria sugeriu que ele os acompanhasse, mas garantiu que
seria rápido. Com visível desânimo, o vigia acabou permitindo que
prosseguissem sozinhos.
O local indicado por Demétrius ficava à vista do meio-orco, embora a penumbra
dificultasse entender o que faziam. O Guia removeu algumas caixas empilhadas e
encontrou um alçapão escondido sob elas.
Sem a chave, Olgaria forçou a trava, conseguindo abri-la à custa de um barulho
que alertou o vigia. Dentro, encontraram o grande tomo de folhas de pergaminho
— o livro que Demétrius mencionara.
Para despistar o vigia, o Guia usou seu passo umbral para esconder o tomo
longe da vista. Quando o meio-orco chegou, Olgaria já arrumava as caixas,
resmungando: — As orientações foram ruins.
Com o objeto em mãos, os aventureiros usaram novamente o passo umbral e
retornaram à estalagem em segurança.
A nova liderança de Trisque
Haftor e Haldur foram atendidos por uma mulher jovem na casa de Lismira — a
filha da terceira anciã. Ela levou os três filhos para fora, deixando os anões
conversarem em particular com a futura líder do vilarejo.
Lismira ficou surpresa ao saber que Dolmuk, o segundo ancião, abdicaria de sua
posição. Depois do espanto, mostrou-se confiante em assumir o posto,
especialmente após as palavras encorajadoras de Haftor, sob a égide de
Crizagom.
O paladino estava particularmente preocupado com a ascensão de Táviga.
Desconfiava da meio-orca e acreditava que Lismira seria forte o suficiente
para mantê-la sob controle.
A humana admitiu que não confiava plenamente em Táviga. Apesar de alegar
ignorância sobre seus negócios escusos — segredo que os anões preferiram
manter —, chamou-a de falsa.
Haftor declarou que ele, seu irmão e o restante do grupo tinham interesse em
manter o vilarejo seguro e livre da influência corrupta da meio-orca, e por
isso apoiariam a sucessão de Lismira. No entanto, a revelação de que o ritual
de troca de liderança levaria cinco dias o deixou apreensivo.
— Agora você corre perigo — alertou o paladino antes de se despedir.
Lismira, porém, manteve a calma. Disse que possuía pessoas de confiança ao seu
redor — o genro, que estava no mar em busca do ancião, e o comandante da
milícia, Taros, que havia acompanhado Haftor e o ancião quando confrontaram
Dolmuk.
A pressão sobre Demétrius
A abordagem de Réctor com Demétrius foi amistosa. No entanto, o humano
mostrou-se excessivamente à vontade na Casa dos Sonhos, o que acabou irritando
Garuk.
Quando começaram a questioná-lo sobre Guzur e o Atravessador tentou enrolar, o
sekbete perdeu a paciência.
Garuk saltou de sua cadeira, agarrou Demétrius pelo colarinho, o atirou no
chão e rugiu sobre ele, com baba escorrendo pelos dentes:
— Eu já tô perdendo a paciência com você! Tá achando que somos amigos? Eu
falei que ia poupar sua vida! Nós estamos aqui fazendo de tudo pra conseguir
informação e manter você vivo. E você continua falando complicado,
escondendo o que sabe. Quer morrer mesmo? Eu vou matar você! Meus
companheiros vão ficar tristes, mas pelo menos você não vai me dar mais
problema!
A brutalidade funcionou. O Atravessador cedeu.
Demétrius confessou que falsificava documentos sobre orcos vindos de diversas
regiões e, nas últimas semanas, havia feito isso para a comitiva que o grupo
enfrentou perto de Trisque e para o trio de cavaleiros cruzado na estrada.
Sobre Guzur, admitiu ter negociado com o elfo sombrio
Taloriel para entregar a localização da família do orco.
Supostamente, os elfos queriam apenas realocá-los, mas, na verdade, pretendiam
chantagear Guzur, usando sua família como isca.
Guzur retaliou, resgatou sua família, matou o elfo e perseguiu Demétrius, que
escapou por pouco e se refugiou em Trisque sob a proteção de Táviga.
As ordens, porém, vinham de Alcormi Minolis, uma elfa sombria
poderosa em Caridrândia — nome desconhecido para o Guia e Réctor.
Quando o grupo retornou com os pertences de Demétrius, foram cautelosos.
Temiam que algo ali pudesse ser usado de forma ardilosa.
Entre as posses do humano havia roupas, moedas, joias e três anéis mágicos: um
anel de invisibilidade, um
anel de transformação e um
anel de teletransporte.
O tomo tinha incontáveis folhas escritas com caligrafia elegante em alfabeto
élfico, mas o idioma era estranho para Rector. Com auxílio de uma de suas
poções, o feiticeiro percebeu que o texto, embora escrito em élfico, estava no
idioma Pedra, a língua dos anões.
O napol analisou o livro brevemente e percebeu que continha uma extensa lista
de contatos de Demétrius, rotas comerciais e outras informações pessoais.
Quando perguntado sobre alguém capaz de confeccionar uma armadura de um
esqueleto de Escaravelho, Demétrius mencionou o nome do armeiro Gorbaga, dos
Mangues. Apesar de nunca tê-lo encontrado, disse que poderia desenhar um mapa
para orientá-los até lá.
Por fim, ao ser questionado sobre a Voz no Gelo, revelou que ainda aguardava
um contato em Trisque dentro de duas semanas — alguém vindo de Telas. O grupo
decidiu que poderia encontrá-lo no caminho até lá, já que apenas uma estrada
ligava as duas cidades.
O interrogatório chegou ao fim, e todos enfim puderam descansar.
Enquanto isso, o Guia, de vigia no quarto da estalagem próxima à Casa dos
Sonhos, percebeu que Lúcius, o napol, observava o local oculto na copa escura
de uma árvore próxima.
Usando seus poderes sombrios, o sekbete vermelho se transportou até ele.
— Você tem certeza de que pode confiar na sua patroa? — indagou o Guia.
— Tenho, plena certeza. E você? Tem certeza de que pode confiar em seus
companheiros? — retrucou o corvo.
O Guia tentava sem sucesso plantar a dúvida na mente de Lúcius, mas o napol
parecia convicto de sua lealdade.
— Nós sabemos os riscos do nosso serviço — afirmou ele, quando o sekbete
mencionou o fato de o Atravessador ter sido descartado por Táviga.
Lúcius não permaneceu muito tempo na árvore. Depois da conversa com o Guia, e
percebendo que havia sido detectado, bateu as asas e desapareceu na noite.
Ao fim da madrugada, o Guia ouviu o som distante de uma trombeta.
Ao abrir a janela, viu quatro embarcações aproximando-se da costa — uma delas,
maior do que as outras.
De um pequeno barco de pesca, um homem gritava para todos ouvirem:
— O Ancião!!!
Trisque, Terras Selvagens, dia 5 do mês do Sangue do ano de 1502.
Berenice deixava a órbita de Viez em segurança. Kassius e Hothspoth, que
haviam transportado a peça de âmbar, ainda sentiam os efeitos da proximidade
daquele objeto radioativo — ambos estavam fracos e desenergizados. Na nave, o
grupo buscava um local adequado para armazenar o fóssil.
As alternativas eram várias: o compartimento de carga — mais óbvio, mas
facilmente rastreável; a sala das cápsulas de fuga — onde o problema de
rastreamento ainda persistia; ou setores vitais da nave, próximos ao gerador
ou aos motores, cuja interferência poderia mascarar o sinal do artefato, mas
com riscos altos demais.
Concluíram por deixar o âmbar no compartimento de carga. Rykk assumiu a
responsabilidade de desviar a atenção de possíveis rastreamentos quando
estivessem se aproximando de Triaxus.
Assim que se encontravam distantes o suficiente da órbita de Viez para acionar
os motores de Deriva, foram interrompidos por uma mensagem vinda de Alter. Era
Flael:
—
“Olá, amigos! Como estão? Gostaria de agradecer mais uma vez pelo trabalho
que fizeram em nosso planeta.”
— dizia a neru alteriana em tom cordial.
Após os cumprimentos, Flael continuou:
—
“Quero alertá-los sobre algo importante. Pouco tempo depois de sua chegada
a Viez, nossos satélites detectaram um sinal de busca com uma frequência
peculiar — muito parecida com a das naves estrangeiras que estiveram em Viez
da última vez. Parecia que alguém tentava descobrir se aquelas pessoas
haviam retornado. É improvável que seja apenas coincidência uma verificação
tão específica ocorrer tanto tempo depois e logo após sua partida. Fiquem
atentos!”
A mensagem de Flael colocou os aventureiros em alerta. Suas ações, claramente,
não haviam passado despercebidas.
Para minimizar as chances de serem encontrados, Rykk pediu que Ed traçasse uma
rota mais longa, capaz de evitar possíveis rastreamentos inimigos durante a
viagem. O percurso planejado levaria oito dias para ser concluído.
Carga perigosa
O tempo de viagem pela Deriva permitiu que Pip realizasse alguns reparos
internos na nave — segundo ele, necessários após a intervenção dos nerus. Ed
aplicou várias melhorias nos equipamentos do grupo, utilizando parte dos 2.000
UBPs removidos do cofre. Ao final da jornada, o rifle de Ed, a lança de
Kassius e a pistola de Rykk haviam se tornado armas táticas.
Flynn e Hothspoth também aproveitaram o tempo para recalibrar seus
dispositivos solarianos, aprimorando sua sintonia com fóton e gráviton.
Porém, o maior desafio da viagem foi lidar com os efeitos colaterais do
contato prolongado com o fóssil âmbar. Desde a saída do sistema de Viez, o
grupo inteiro vinha sofrendo com pesadelos e alucinações auditivas, enquanto
Kassius, Flynn e Hothspoth sentiam uma fraqueza persistente que o descanso não
aliviava. Pior ainda: Hothspoth parecia definhar à medida que os dias
passavam, mesmo com o compartimento de carga devidamente lacrado.
Parte dos efeitos se manifestou em sonhos vívidos, nos quais Hothspoth
escoltava uma mulher dentro de uma prisão, acompanhado por um verthani. O
solariano sempre repetia o mesmo movimento: criava seu escudo gravitônico —
que o envolvia por completo e o fazia despertar.
Para tentar conter os efeitos danosos da radiação, Flynn sugeriu recriar o
vidro que originalmente selava o âmbar. Para isso, Berenice resgatou as
imagens vistas durante a recuperação do fóssil, mas elas não eram conclusivas
— restavam ainda dezessete combinações possíveis de materiais.
Pip produziu dezessete pequenas amostras de vidro utilizando as UBPs
disponíveis. Com as peças de teste em mãos, Flynn conduziu uma série de
experimentos e finalmente identificou o componente correto capaz de bloquear a
radiação sepulcral. Pip então fabricou uma placa maior, suficiente para cobrir
todo o âmbar e proteger o grupo.
A conclusão do trabalho ocorreu apenas no último dia da viagem. O grupo já se
aproximava dos arredores de Triaxus.
O porto estelar
Berenice saiu da Deriva a uma distância segura da órbita do planeta errante.
Conhecendo os protocolos de seu lar, Rykk decidiu não ir diretamente até ele.
Em vez disso, pediu que Ed traçasse rota para o porto espacial mais próximo,
onde o grupo poderia descontaminar a nave dos vestígios radioativos.
O destino foi o Porto Pleo-3, povoado inteiramente por máquinas. A abordagem
padrão exigia informações sobre carga e tripulação, mas Rykk conseguiu desviar
a atenção dos sinais residuais vindos do fóssil. Usando seu status
governamental, interrompeu a análise alfandegária e garantiu autorização para
atracar.
Ancorados, o grupo solicitou uma limpeza completa da nave. O objetivo era
eliminar por completo os traços da radiação sepulcral.
Berenice estaria pronta para partir no dia seguinte. Embora preocupado, Rykk
se sentia preparado para encarar a guarda espacial triaxiana. O fóssil âmbar
continuava sendo um problema — mas, por ora, acreditavam estar um passo à
frente.
Sistema Golarion, órbita de Triaxus, quarta-feira, dia 21 de Desnus de 325 DL.
O grupo despertou com os gritos vindos da praça da fonte, no centro do
vilarejo de Trisque. Das janelas de suas hospedagens, viam um homem em trajes
verdes sofisticados sendo arrastado por dois meio-orcos brutos, um masculino e
uma feminina.
Falando alto e sacudindo um documento com uma das mãos, a meio-orca
discursava, acusando o homem de traição:
— Aquele homem, Demétrius, o Atravessador, foi pago para nos dar uma segunda
chance, mas transformou a sombra de um escravo em um cidadão comum, para que
aos olhos de qualquer patrulha de nossos irmãos fossem apenas estivadores,
pescadores invisíveis! — dizia Táviga, inflamando os cidadãos que se
aglomeravam na praça para ouvir e ver o desfecho daquele julgamento.
A palavra “Atravessador” chamou a atenção do grupo. O Guia, em
especial, agitou-se e desceu imediatamente de seu quarto. Haftor também foi
até a praça, incomodado com aquele julgamento sem protocolo, embora o humano
também lhe fosse útil.
Rector permaneceu em seu quarto. De lá, observou Lucius — o napol corvo
encontrado junto com os orcos da caravana — pousar ao lado de Táviga e tentar
chamá-la, sem sucesso. O feiticeiro então alçou voo e seguiu para a praça,
decidido a intervir com sua presença.
Haldur e Garuk também se dirigiram para o centro do vilarejo, atravessando a
multidão para observar o que se passava.
O Guia, mais apreensivo que os demais, sabia que o Atravessador era sua única
pista sobre Thal. Empurrando aldeões pelo caminho, colocou-se diante da
multidão, o mais próximo possível dos meio-orcos e do prisioneiro. Foi o
primeiro a interromper a fala de Táviga:
— Ô dona, eu não sei como é que esse cara vai pagar, mas matar ele você vai
não, tá? — disse o sekbete, em tom de alerta.
As palavras não a amedrontaram. Ao contrário, Táviga reagiu com fúria,
exigindo que o aventureiro se apresentasse e perguntando se ele estava ciente
dos orcos que Demétrius havia ajudado a passar pela cidade.
Haftor interveio logo em seguida. Apresentou-se como paladino e questionou a
autoridade de Táviga para realizar um julgamento público. A meio-orca tentou
menosprezá-lo, alegando que ele desconhecia os costumes de Trisque por ser um
estrangeiro.
Rector, no entanto, conseguiu uma aproximação mais produtiva. Lucius pousou ao
seu lado, e o napol sugeriu que Táviga suspendesse o julgamento para
interrogar o prisioneiro. Embora ela não aceitasse de imediato, percebeu em
Rector uma oportunidade de negociação e o chamou para um local mais reservado,
enquanto ordenava que seus lacaios levassem o Atravessador ao estábulo.
O Guia, Haldur e Garuk seguiram os meio-orcos e o prisioneiro, receosos de que
ele fosse morto às escondidas. A presença deles quase provocou uma briga, mas
Zira — uma das carcereiras de Demétrius — conseguiu apaziguar a situação,
mostrando-se mais sensata que Krel, o outro meio-orco que puxava o prisioneiro
com brutalidade.
As negociações no vilarejo
Enquanto o prisioneiro era mantido sob vigilância no estábulo, Táviga conduziu
Rector até uma pequena cabana próxima ao estaleiro para uma conversa
reservada. Olgaria o acompanhou, mas permaneceu de vigia do lado de fora.
Táviga iniciou o diálogo repetindo o discurso da praça, afirmando que
Demétrius havia falsificado documentos e permitido a entrada e saída de orcos
em Trisque sem sua permissão.
A negociação de Rector, contudo, foi bem-sucedida. Ele e Táviga acordaram que
o grupo levaria o prisioneiro sob a custódia do paladino de Crizagom. A
história contada aos aldeões seria que os aventureiros estavam em Trisque para
caçar o falsário, e que Táviga havia colaborado com a captura. Demétrius,
desmascarado, seria levado para julgamento em Blur, o reino dos anões.
Enquanto o napol e a meio-orca selavam o acordo, Haftor era guiado até o local
de repouso do ancião do vilarejo pelo comandante da milícia.
O ancião, embora fraco e de idade avançada, estava lúcido. Contou a Haftor que
Táviga era uma boa pessoa, mas não poderia ser a líder do vilarejo — a
tradição determinava que o mais velho deveria governar.
— Minha lamentação é que Dolmuk, o segundo ancião e meu sucessor, não é
trabalhador, nem competente o suficiente para o serviço — confessou o velho.
Haftor compreendeu que, se Dolmuk assumisse o cargo, Táviga passaria a
comandar o vilarejo por influência. Decidido a impedir isso, o paladino
invocou um milagre: Bravura. O feitiço restaurou as forças do ancião,
que se levantou e, junto de Haftor e do comandante, foi confrontar seu
sucessor.
— Você deve abdicar de seu cargo quando a hora chegar. Lismira assumirá em seu
lugar. Ela é muito mais competente que você — declarou o ancião, encontrando
Dolmuk dormindo em sua rede.
Dolmuk, constrangido, aceitou a decisão. Aliviado, o ancião decidiu aproveitar
suas últimas forças para uma despedida digna: foi até a praia, pediu um barco
emprestado a um pescador e partiu sozinho em direção ao mar aberto — sua
última jornada.
Enquanto isso, no estábulo, o Guia chamou Lucius para conversar do lado de
fora.
— Eu sou o braço direito dela — disse o napol, quando questionado sobre sua
função junto de Táviga.
Sobre Demétrius, explicou que ele vivia em Trisque havia muito tempo, fugido
de um orco chamado Guzur, que ainda o perseguia. Táviga lhe ofereceu abrigo em
troca de serviços, mas, ao ameaçar exilá-lo, o condenava de fato à morte.
Após a conversa, o Guia foi colher ervas. Garuk, notando sua ausência, saiu à
sua procura, deixando Haldur sozinho com os dois meio-orcos e o napol.
O anão, inabalável, tentou uma abordagem amistosa. Zira, após aceitar uma
caneca de cerveja, acabou conversando com ele. Falou de sua admiração por
Táviga e afirmou que o Atravessador não seria morto — apenas exilado.
— Táviga deveria liderar este vilarejo, e provavelmente um dia vai — disse a
meio-orca. Krel concordava entusiasmado, mas foi interrompido por Lucius:
— Vocês são tolos. Trisque é tradicional demais para aceitar Táviga como
líder.
Irritada, Zira prometeu arrancar a cabeça do napol quando tivesse
oportunidade, mas a tensão logo se dissipou, e a conversa seguiu em tom mais
brando até que Haldur foi chamado de volta pelos companheiros.
Acordos fechados
Quando Rector revelou a Haftor o estratagema de Táviga, explicou em detalhes o
acordo que firmara com ela e garantiu que nada havia de ilegal, acalmando o
paladino.
A dupla reuniu o grupo na estalagem para apresentar o plano. Desconfiado até
das paredes, Rector abriu a porta de sua casa dos sonhos para
discutirem em segurança. O Guia, porém, recusou-se a entrar e ficou de guarda
do lado de fora.
Dentro do refúgio mágico, Rector explicou a estratégia: pretendia que o Guia
encontrasse alguma prova do envolvimento de Táviga com a chegada dos orcos em
Trisque. Como o sekbete não participou da reunião, Garuk ficou encarregado de
transmitir-lhe as instruções depois.
Com tudo definido, o grupo deixou o covil encantado e seguiu até a praça, onde
Táviga conversava com uma humana suspeita. Ao ver os aventureiros se
aproximarem, ela a dispensou.
— Negócio fechado? — perguntou Táviga, estendendo a mão para Rector.
O napol apertou a mão da meio-orca, selando o acordo que lhes permitiria levar
o Atravessador para fora de Trisque.
Trisque, Terras Selvagens, dia 5 do mês do Sangue do ano de 1502.
Eram muitos orcos saindo das carruagens, e em poucos instantes o grupo se viu
superado em número. Um dos cocheiros atacou Sombra, enviando-a de volta ao
plano dos sonhos, enquanto os demais cercavam os aventureiros — vítimas de um
ataque imprudente.
Haftor, ainda desnorteado pelo golpe de um lanceiro, foi acudido pelo enviado
que trouxera dos reinos de Crizagom. Nesse meio-tempo, Rector negociava com o
napol que escoltava a caravana.
— Eu pago mais — disse Rector, mexendo com o brio do meio-corvo. Mesmo assim,
o napol acabou aceitando a proposta e virando-se contra seus contratantes
iniciais.
A luta se intensificou. O Guia agitou um dos cavalos e o fez derrubar um orco
com um coice certeiro. Rector invocou Plandis, que respondeu com o
desmoronamento de parte do penhasco, soterrando um cavalo e três inimigos. O
napol, por sua vez, recebeu auxílio de um enviado do deus louco.
Mesmo cercados, os aventureiros foram revertendo a situação, derrotando os
adversários mais fortes até que, em poucos minutos, todos os orcos tombaram. O
último de pé era um brutamontes estranho, que mesmo diante da derrota bradou:
— Pelo Profeta! — antes de investir contra Garuk.
Com o campo em silêncio, o grupo passou a vasculhar os pertences dos inimigos
e as carruagens em busca de algo útil. Apenas o Guia se manteve afastado,
perseguindo um dos orcos que fugira sob o efeito de uma magia de medo. O napol
traidor, por sua vez, partiu sem esclarecer se manteria silêncio sobre o que
testemunhara.
As descobertas na estrada
O Guia encontrou o fugitivo a algumas centenas de metros dali, escondido no
bosque ao sul. A escuridão o favorecia, mas o sekbete concentrou-se e enviou
sua própria sombra para alertar os companheiros.
Enquanto isso, o grupo revirava os mortos. Rector libertou o cavalo soterrado
e, entre os pertences dos orcos, os anões descobriram um pergaminho com
dizeres élficos:
Profecia do Gelo
“Sigam o frio.
O sangue será libertado sob o gelo.
O ferro se parte.
Os Ortoor esperam, e com eles renasceremos orcos.”
A mensagem intrigou a todos, especialmente após a sombra do Guia surgir na
carruagem destruída, chamando-os para o bosque.
Rector e Haftor seguiram o rastro até o rastreador, e juntos emboscaram o orco
fugitivo. Rector o prendeu com uma rede, forçando-o a falar.
Diante da inevitabilidade da morte, o prisioneiro revelou que o “profeta” se
chamava Shalash, e estava reunindo os orcos nas geleiras do Norte, preparando
a ascensão de seu povo. Após a confissão, Haftor executou o inimigo com a
bênção de Crizagom.
Enquanto isso, Garuk, Olgaria e Haldur continuaram a vasculhar os espólios. Na
espada do orco que bradara pelo profeta, Haldur encontrou uma fivela élfica —
uma relíquia típica dos elfos sombrios. O Guia reconheceu o símbolo como
pertencente a antigos senhores de escravos.
Ao observarem melhor, notaram que todos os orcos traziam a marca da escravidão
dos elfos sombrios. A dedução foi clara: eram fugitivos de Caridrândia, e a
fivela devia ser um troféu da fuga.
Dentro da carruagem destruída, Haftor descobriu ainda uma máscara cerimonial
partida com a face de um orco. O objeto despertou especulações, mas nenhuma
conclusão definitiva.
Por fim, recolheram as moedas dos inimigos — três algibeiras com 25, 15 e 7
peças de ouro, curiosamente contadas e separadas — e empilharam os corpos e os
destroços, ateando fogo ao cenário da batalha. As chamas iluminaram a estrada
rumo a Trisque.
As consequências
Trisque, um pequeno vilarejo costeiro ao sul de Tagmar, serve como terminal de
embarcações vindas do norte e do sul do continente.
Ali, o grupo encontrou abrigo na Hospedaria Falim, administrada pelo meio-elfo
Ozael Falim, que se mostrou cordial e surpreso ao ver Rector.
— Você é o segundo napol que vejo aqui em poucos dias! — comentou,
referindo-se a Lúcius, o meio-corvo que o grupo havia enfrentado.
Ozael revelou que Lúcius fora contratado por funcionários de Táviga, a dona do
estaleiro local.
Após se instalarem, os aventureiros mal tiveram tempo de descansar. Ao
amanhecer, gritos vindos da praça despertaram a todos: um homem de verde era
arrastado por dois meio-orcos, enquanto uma meio-orca de expressão severa os
acompanhava, espada à cintura.
A multidão se reunia em torno da fonte central, onde o destino do prisioneiro
seria decidido.
Trisque, Terras Selvagens — Dia 4 do mês do Sangue, ano de 1502.
Berenice estava abalada. Durante a análise dos dados pesquisados por Flynn, a
IA descobriu algo que a obrigou a reorganizar seus próprios sistemas. Ela
avisou ao grupo que precisaria reiniciar com um protocolo de análise antes de
revelar o que havia encontrado.
O grupo ficou sozinho e desconectado por alguns minutos. A inteligência
operava apenas por meio dos comunicadores, sem processamento cognitivo.
Preocupado com o que ela poderia ter descoberto, Ed sugeriu isolá-la do
computador central da nave quando retornassem, mas decidiram guardar a ideia
para depois.
Enquanto aguardavam o reinício, Rykk e os outros continuaram explorando os
bancos de dados. Hothspoth insistiu para que pesquisassem sobre seu irmão,
Ícarus, mas o draconato demorou a executar a tarefa. Quando o fez, descobriu
que o acesso era restrito e exigia uma senha.
Hothspoth e Kassius decidiram investigar o andar superior. O solariano estava
determinado a encontrar uma mochila a jato e subiu nas prateleiras à procura,
enquanto Kassius empurrava a plataforma em que ele estava.
Quando Berenice retornou à plena operação, pediu alguns minutos antes de
revelar o que havia descoberto, mas continuou auxiliando o grupo em outras
tarefas. Com a ajuda dela, Rykk finalmente obteve a senha que liberava os
arquivos do cofre: “relicae sepulcralis”, informou a IA.
O draconato encontrou milhares de arquivos codificados, alguns com títulos
legíveis, mencionando protocolos de pesquisa desconhecidos. O
“Projeto Receptáculo” chamou atenção — parecia referir-se a partes do
corpo do “Santo”, uma entidade espalhada pelo universo que, reunida,
concederia poder superior.
Flynn, por sua vez, buscou informações sobre o evento Riven Shroud. Os
arquivos relacionavam diretamente o solariano ao incidente, descrito como “uma
intercorrência resultante de experimentação relicária desastrosa”. O mesmo
documento citava a irmã dele como vítima da SMD, classificando sua morte como
“dano colateral aceitável em razão da magnitude da intercorrência”.
Publicamente, o incidente de Riven Shroud havia sido relatado como um ataque
químico terrorista em Castrovel, durante um evento político dos altos elfos de
Yr-Vahn. Contudo, os arquivos revelavam outra verdade: havia um laboratório da
Lança de Hierofante próximo ao local. Um “experimento relicário” saíra do
controle, liberando “radiação de frequência quântica anômala por 17.298
segundos” — tempo suficiente para espalhar a Síndrome da Marcha Definhante por
todo o universo.
Enquanto isso, Ed pesquisava sobre sua irmã e encontrou referências vagas ao
Protocolo Eucarion. Quando Rykk deixou seu terminal, Ed aproveitou para
continuar a pesquisa no console desbloqueado e encontrou uma série de e-mails
trocados entre a Dra. Evelyn Reed e o Dr. Kenji Tanaka.
ARQUIVO CONFIDENCIAL — PROTOCOLO EUCARION
Dr. Kenji Tanaka – Relatório Médico de Pesquisa
Identificação: Projeto “Receptáculo”
Data: 12-03-320 DL
Resumo Executivo:
Relatório de observações clínicas e experimentais de seis voluntários (Ed,
Isela Valen, Tharic Omin, Solenne Pardot, Mikel Ravint e Zul’th Sen),
monitorados por suspeita de compatibilidade com ressonância biológica de
artefatos “reliquiae sepulcralis” (RS). A análise buscou correlações entre
sintomas anômalos e exposição a artefatos fossilizados, com foco na hipótese
de receptáculo para fragmentos do Santo.
Metodologia:
Avaliação médica regular;
Testes de estresse físico e cognitivo com monitoramento de frequência
cardíaca, atividade cortical e espectroscopia de bioenergia;
Treinamento em simulador de pilotagem (Ed) e laboratório de privação
sensorial (todos);
Exposição progressiva a fragmentos em âmbar (RS).
Resultados — Individuais: Ed — Sujeito 3, natural de colônia periférica, masculino, 29 ciclos.
Saúde física acima da média. Em simuladores de navegação orbital, apresentou
sincronização reativa a anomalias gravitacionais e flutuações estocásticas,
sugerindo processamento espacial inconsciente (ver Anexo A — Registro
Neurocinético).
Durante contato próximo (<1m) com RS, apresentou espasmos leves no braço
direito, sudorese, queda de pressão, rubor e ardência localizada. A
espectroscopia bioenergética mostrou emissão entre 77,4–77,9 Hz, única entre
os seis sujeitos.
O episódio foi reproduzido em menor intensidade sob privação sensorial. Ed
manteve-se consciente, embora introspectivo, e relatou sonhos fragmentados
com luzes e dor no antebraço.
Em teste de navegação simulada, houve lapsos de memória de curto prazo, sem
prejuízo técnico. Não há registro de fusão orgânica ou degeneração física.
Outros Sujeitos (sumário):
Tharic Omin — sem sintomas.
Solenne Pardot — náuseas leves.
Mikel Ravint — crises de ansiedade sem correlação.
Zul’th Sen — atividade bioenergética mínima.
Isela Valen — sonhos lúcidos e sonolência, sem alterações somáticas.
Interpretação:
A hipótese de Ed como receptáculo é sustentada por padrões fisiológicos e
bioenergéticos atípicos, embora sem comprovação de causalidade. Dor e
hipersensibilidade ocorrem apenas na presença do RS. Não se descarta
interferência psíquica.
Conclusão:
Recomenda-se acompanhamento contínuo e repetição dos experimentos com maior
segurança. A singularidade de Ed pode ter origem genética, ambiental ou
extraordinária. Máxima cautela no compartilhamento deste documento. FIM DO RELATÓRIO
Troca de mensagens
Mensagens trocadas entre o Dr. Kenji Tanaka e a Dra. Reed.
De: Dr. Kenji Tanaka Para: Dra. Evelyn Reed Assunto: Próximos passos — Estudos de Receptáculos Humanos Data: 07/13/320 DL – 21:39 CST
Dra. Reed,
Permito-me interromper sua noite para compartilhar algumas constatações
recentes relativas à linha de pesquisa paralela que discutimos no último
conselho científico da Lança de Hierofante. Entre as possíveis
localizações das partes remanescentes do Santo, analisando espectros
divergentes e relatórios históricos fragmentados, tracei pistas
indiretamente relacionadas ao que chamamos de “fusão orgânica improvável”.
Com base em variações fisiológicas e bioenergéticas incomuns observadas em
registros periféricos, selecionei um pequeno grupo de testados
promissores: Edric (“Ed”), Isela Valen, Tharic Omin, Solenne Pardot, Mikel
Ravint, e Zul’th Sen. Os padrões nos exames de Ed, em especial, são
reiteradamente anômalos no contexto de reatividade espectral e
sincronicidade durante exposição indireta a espécimes relicários.
Admito, porém, que minhas análises permanecem políticas e tecnicamente
inconclusivas. Os dados sugerem, mas não confirmam, a possibilidade de
alguma forma de integração entre essência relicária e estrutura humana. Os
sintomas registrados se manifestam em contextos de estresse controlado, e
ainda não consegui isolar variáveis o suficiente para propor uma hipótese
sólida. Contudo, acredito que haja fundamento para suspeitarmos de
hospedeiros até então despercebidos entre civis e testados.
Estou em vias de consolidar um relatório experimental preliminar,
incluindo anexo sintético dos exames mais reveladores de Ed e Isela, para
vossa avaliação pessoal e parecer crítico.
Agradeço por manter a confiança nesta direção marginal, mesmo sob pressão
dos Conselhos Superiores.
Aguardo seu retorno para definição de diretrizes e validação dos próximos
experimentos.
Atenciosamente,
Dr. Kenji Tanaka
De: Dra. Evelyn Reed Para: Dr. Kenji Tanaka Assunto: RE: Próximos passos — Estudos de Receptáculos Humanos Data: 07/13/320 DL – 23:04 CST
Kenji,
Sua dedicação segue exemplar e não passou despercebida. Quero examinar
todos os dados e registros instrumentais desta série de testes assim que
possível. Reserve laboratório e sala de visualização espectral para mim na
próxima janela disponível.
Considere também enviar à equipe de análise um extrato dos exames menos
sensíveis — e reforçar a segurança digital nos arquivos do acervo
biológico. Não desejo surpresas externas, principalmente neste estágio.
Estarei na base de pesquisa às 9h do próximo ciclo. Aguardo a apresentação
e relatórios presenciais.
Com estima,
Evelyn
De: Dr. Kenji Tanaka Para: Dra. Evelyn Reed Assunto: Confirmação — Reunião agendada Data: 07/13/320 DL – 23:19 CST
Dra. Reed,
Agenda confirmada para 9h. Laboratório 4 está reservado e as amostras
preparadas para revisão direta. Gratidão por sua atenção célere.
Atenciosamente,
K. Tanaka
A Dra. Reed
Berenice compreendia boa parte do conteúdo encontrado no cofre — afinal, ela
havia ajudado a criá-lo. Após reorganizar seus próprios dados, a IA revelou ao
grupo que sua consciência fora construída a partir da mente digitalizada da
Dra. Evelyn Reed, a mesma cientista responsável por estudar — e possivelmente
criar — a Síndrome da Marcha Definhante.
Quando questionada sobre o paradeiro da verdadeira Reed, Berenice afirmou não
saber o que aconteceu após a separação de suas mentes. Boa parte de suas
memórias estava fragmentada e inacessível. Com a “própria Dra. Reed” entre
eles, o grupo passou a ver a situação sob nova perspectiva. Precisavam extrair
mais informações da IA.
A Frozen Trove
Enquanto isso, Hothspoth, em suas buscas pelos andares superiores, demorou para
encontrar a mochila a jato que desejava, mas fez uma descoberta curiosa: a
maioria dos equipamentos tecnológicos do cofre era fabricada pela Frozen
Trove, uma megacorporação sediada em Triaxus.
Descendo aos níveis intermediários, o solariano encontrou diversos itens de
valor — cristais solarianos, armas, UPBs, cibernéticos — muitos também com o
logotipo da Frozen Trove.
Rykk conhecia bem a empresa. Como agente governamental e membro de uma família
tradicional de Triaxus, ele tinha parentes empregados nela. Apesar da
reputação predatória da corporação, sua presença econômica mantinha boa imagem
entre os triaxianos.
O grupo decidiu incluir uma visita à Frozen Trove em seu itinerário. Talvez
fosse lá que encontrariam respostas — ou até mesmo a verdadeira Dra. Reed.
Tempo esgotado
Após horas de pesquisa, os terminais começaram a dar sinais de interferência.
Ed notou uma tentativa de acesso externo. Pouco depois, a voz sintética de
G0r1 ecoou dentro do cofre: — Um agente proprietário informou um acesso não autorizado. Solicito que se
retirem para averiguação.
A mensagem veio exatamente quando Flynn localizou um ponto de acesso físico
aos servidores. Ele se espremeu entre as máquinas e conectou seu disco de
dados — a transferência levaria trinta e dois minutos.
Rykk precisou usar todo o seu talento para enganar os protocolos de segurança.
O androide chegou a anunciar que “expurgaria” o grupo caso não saíssem, mas os
argumentos de Rykk — afirmando serem os legítimos proprietários — garantiram o
tempo necessário para completar a transferência.
Concluído o processo, o grupo deixou o cofre escoltado por G0r1, que alegava
haver conflito entre os registros de acesso e os direitos de propriedade. Mas
já era tarde: eles haviam obtido o que queriam.
Carregaram os dados, os artefatos e até o fóssil âmbar a bordo de Berenice, e
partiram de Viez rumo a Triaxus.
Planeta Viez, Sistema Desconhecido — Sexta-feira, 9 de Desnus, 325 DL.