Caçada pervertida
A falsa segurança
Jean, Dannael, Torlam e Urodam estavam em frente ao celeiro que Kazimir havia oferecido para que passassem a noite. O grupo estava bastante desconfiado do celeiro completamente fechado e da tranca externa que a estrutura possuía. No entanto, após analisar cuidadosamente toda a construção, Dannael não viu nada de anormal. O mago percebeu que havia uma área de ventilação no topo lateral e conformou-se com a condição.
Urodam resolveu ajudar Kazimir a arar a terra antes do pôr do sol. Ele tomou o arado do filho do fazendeiro e realizou as tarefas, enquanto era interrogado sobre suas façanhas do passado. O orc não pareceu muito confortável com as perguntas e logo tratou de desconversar, perguntando sobre o que os aldeões daquele lugar costumavam plantar.
A esposa de Kazimir trouxe-lhes uma sopa quente assim que o sol se pôs. No entanto, a Pedra da Liderança havia escolhido Klaus como o comandante do grupo naquele momento, e os aventureiros decidiram partir em busca da criatura antes de descansar.
Os aventureiros foram até o templo de Abadar, onde foram recebidos com desconfiança pela sacerdotisa Amélia. A mulher disse que Klaus estava dormindo após beber algumas taças com ela, e autorizou apenas Jean a entrar. O gnomo se dirigiu ao quarto e confirmou que o campeão dormia profundamente. Sem conseguir despertá-lo, Jean pegou a pedra entre os pertences do campeão e deixou o templo.Embora o sono profundo de Klaus tenha deixado o grupo um pouco desconfiado, não seria surpresa que ele tivesse aproveitado o raro encontro com uma sacerdotisa de sua divindade para comemorar. Portanto, os aventureiros retornaram ao celeiro e aproveitaram a sopa fresca que a esposa de Kazimir havia trazido mais uma vez.
O celeiro era um local relativamente limpo. O cheiro de feno fresco e silagem tomava o ambiente, mas também o mantinha em uma temperatura mais amena em relação ao exterior. O grupo teria um bom local para descanso. Porém, assim que as portas foram fechadas, viram uma barreira mágica ser erguida ao seu redor. Não havia mais como sair.
Preocupado com o que poderia acontecer, Torlam tentou escalar as treliças do celeiro e buscar uma saída por onde Dannael havia comentado existir ventilação. No entanto, a saída estava bloqueada por grades, além da própria barreira mágica. Mesmo assim, ele pôde ver o movimento de pessoas aumentando no exterior. Os aldeões pareciam preparar uma fogueira dentro de uma plataforma de cerâmica.
Jean usou a lamparina encantada encontrada nas ruínas do moinho para enxergar do outro lado. Antes que ela pudesse focar completamente, ele ouviu os aldeões falando sobre um sacrifício e sobre a proteção de Abadar.
Estava claro que Klaus seria sacrificado. Pelas conversas ouvidas em fragmentos, a oferta seria para aplacar a fúria de Abadar.
Um herói do passado
Klaus foi despertado por Amélia Moons, amarrado a uma cama. Ele estava bem preso e não conseguia se libertar facilmente, por mais que se esforçasse.
A sacerdotisa começou tentando acalmá-lo. Perguntou se ele havia lutado na guerra contra Brevoy naquela região, e depois se Klaus lembrava-se dela. O campeão hesitou por alguns instantes, pois nada lhe veio à mente.
Em seguida, a sacerdotisa continuou com palavras sobre o passado. Disse que demorou algum tempo para reconhecê-lo, devido à aparência envelhecida do campeão, mas finalmente o identificou após observá-lo com atenção.
“Eu me lembro do cheiro de fumaça e sangue queimado nas ruínas da minha vila. Meu pai estava caído, e minha mãe me agarrou e tentou correr, mas tropeçamos. Foi naquela hora que vi você: o escudo amassado de tanto aparar golpes e aquela insígnia brilhando no peito. Você não hesitou. Apenas gritou para a gente abaixar quando um soldado de Pitax veio com a lâmina erguida. Você se jogou entre nós e o soldado. No fim, foi você quem me carregou do meio da confusão. Aquilo ficou comigo desde então.”
Amélia parecia consternada e, ao mesmo tempo, envergonhada. Klaus continuava tentando se libertar, apelando para que a sacerdotisa o soltasse. A mulher pediu que ele se acalmasse e reforçou as cordas antes que ele conseguisse se livrar sozinho.
“Você não será sacrificado, Klaus. Por mais que parte da vila espere por isso… não consigo. Mas preciso que entenda por que essa tradição cruel se manteve. Não foi só superstição ou medo.
Há décadas, a Quimera aterroriza Pedra Rasa. Antigamente, ela vinha a cada cinco anos, como se apenas reafirmasse domínio. Mas agora, Klaus... ela sente fome todo ano. Às vezes, parece que nem isso basta.
Não é um monstro qualquer. Ela é inteligente. Nos observa. Exige que ofereçamos guerreiros de verdade — gente capaz, armada, preparada. Ela quer provar seu poder diante dos melhores que podemos mandar ao fogo.
Não faço isso por devoção, Klaus. Eu vi o que acontece quando tentam enganar a Quimera. Vi famílias inteiras dizimadas. Só mantemos a aldeia de pé porque aceitamos isso.”
Klaus não parecia comovido com as palavras da sacerdotisa, embora ela estivesse emocionada ao vê-lo novamente. Ela propôs, enfim:
“Klaus… Eu não posso deixar que seja você, não depois do que fez por mim e pela minha família naquela guerra. Mas também não posso simplesmente desafiar décadas de tradição e o medo que mantém esta aldeia viva.
O máximo que posso oferecer é uma escolha difícil — talvez cruel. Em respeito ao passado, à sua coragem e ao que representa para mim, proponho uma alternativa: um de seus companheiros pode tomar seu lugar no ritual. Só um.”
Ouvindo a proposta, o campeão permaneceu indignado com sua situação. Disse que não entregaria ninguém, e que ele deveria ser, então, o sacrificado. Amélia, ouvindo isso de seu salvador do passado, respondeu:
“Eu deveria saber que você não entregaria um de seus companheiros, e que se sacrificaria por eles.”
Ela explicou, mais uma vez, que o sacrifício para a Quimera era necessário, imprescindível, pois não havia como aplacar sua fúria. Acreditando em seu herói, Amélia perguntou se, caso libertasse Klaus, ele cumpriria sua parte e permitiria ser sacrificado em nome dos aldeões de Pedra Rasa.
O campeão de Abadar confirmou. Amélia soltou suas amarras.
O profano que se ergue
Conforme a lamparina sintonizava o exterior do celeiro, Jean e os outros puderam ter uma visão melhor do que acontecia, até que os aldeões que circulavam o lugar também passaram a vê-lo e ouvi-lo pela janela mágica que o poderoso artefato criou.
Jean começou a discursar, dizendo que Abadar não aceitava sacrifícios. Enquanto um aldeão dizia para seus companheiros não darem ouvidos aos prisioneiros, pois logo a criatura chegaria, outros mantinham conversas paralelas que acabaram revelando que o sacrifício não era para Abadar, como o grupo supôs inicialmente, mas sim para aplacar a fúria da Quimera.
Assim que descobriram a verdade, os aventureiros mudaram seu discurso. De tentar convencer os aldeões de que Abadar não aceitava sacrifícios, passaram a tentar convencê-los de que poderiam lidar com o monstro que assolava o vilarejo.
Foi Jean quem coordenou a negociação. O gnomo não sugeriu em momento algum que os aventureiros estavam atrás da Quimera antes do encontro em Pedra Rasa. Na verdade, ele desconversou o assunto iniciado por Torlam, que revelaria que estavam atrás da criatura por um prêmio. Em vez disso, tentou mostrar que fariam isso apenas pelo bem do povo.
Os aldeões estavam divididos entre aqueles que não conseguiam se desprender da tradição de tantos anos e aqueles que depositaram esperança nos aventureiros, sobre os quais boatos de grandiosidade se espalharam rapidamente pela pequena e simples vila. Por fim, optaram por consultar a sacerdotisa Amélia, a guia espiritual da aldeia.
Enquanto muitos aldeões partiram enfileirados para o templo de Abadar, alguns jovens permaneceram ao redor do celeiro, conversando com os aventureiros. Jean conseguiu convencê-los a libertá-los, em troca da promessa de matarem a Quimera.
O grupo partiu para o templo de Abadar assim que saiu do celeiro. Estavam um pouco atrás da multidão de aldeões indecisos, mas puderam escutar um grito agudo de pavor vindo do templo. Jean reconheceu a voz: era Amélia Moons.
O templo de Abadar estava cercado por aldeões paralisados. Jean entrou por entre o povo, enquanto os outros abriam caminho pela multidão. Ao alcançar a porta do quarto onde vira Klaus pela última vez, Jean viu o campeão se arrumando e Amélia sentada sobre a cama, ferida e em choque. Os aldeões estavam catatônicos, e a cena do que ocorrera não precisava ser descrita. Klaus havia cometido um crime, e Abadar o abandonara.
Amélia Moons passou pela multidão dizendo que Klaus seria sacrificado, o que foi confirmado pelo próprio campeão. Jean conversou com a sacerdotisa para certificar-se de que ela tinha certeza do que faria. Ela foi incisiva: a proteção dos aldeões em primeiro lugar.
Klaus foi sacrificado naquela noite. Amordaçado e amarrado, não teve chance de reação contra a fera que chegou ao vilarejo. Os outros aventureiros, aproveitando-se da distração da criatura, tiveram a oportunidade de desferir o primeiro golpe no combate que se seguiu.
Este foi o último relato sobre os aventureiros que seguiram o campeão de Abadar.
Reinos Fluviais, vila de Pedra Rasa, dia 25 de Gozran de 1424.
Nenhum comentário:
Postar um comentário